Especialista alerta para riscos da IA na infância e sugere práticas simples para equilibrar tecnologia, criatividade e vínculos humanos
Uma pesquisa recente da Norton Cyber Safety mostrou que quase 40% das crianças brasileiras já usaram inteligência artificial em busca de companhia e apoio emocional. O relatório ainda aponta que 39% dos pais flagraram os filhos usando dispositivos depois da hora de dormir e 17% acessando sites bloqueados.
Para a pedagoga Mariana Ruske, fundadora da Senses Montessori School, o alerta é claro: “Estamos diante de uma infância que não apenas cresce com tecnologia, mas que já terceiriza sentimentos e vínculos para ela. O impacto é profundo no cérebro, na regulação emocional e na forma como essas crianças se relacionarão com o mundo.”
Estudos de neuroimagem mostram que o uso excessivo de telas afeta regiões como o córtex pré-frontal (autocontrole), o lobo temporal (memória e linguagem) e o lobo parietal (integração sensorial).
Agora, com a IA, os riscos vão além: “Crianças acostumadas a receber respostas prontas perdem a “musculatura” da dúvida e da investigação. É como um animal que nunca aprende a caçar porque sempre recebeu a comida na boca. Crescem sem pensamento crítico, sem autonomia e vulneráveis a manipulações”, afirma Ruske.
Segundo o levantamento, 67% dos pais afirmam que os filhos já usam o ChatGPT, e 64% acreditam que a IA pode ajudar na aprendizagem. Mas, Mariana alerta: “Não é a ferramenta em si, mas o momento de introduzi-la. Quando usada precocemente, a IA rouba o espaço da criança para criar narrativas próprias, imaginar, experimentar. Sem criatividade não existe inovação, não existe futuro sustentável.”
Especialista indica práticas para equilibrar infância e tecnologia
Apesar do cenário desafiador, há soluções simples e eficazes. Entre as principais recomendações da especialista estão:
- Adiar a introdução de telas nos primeiros anos;
- Valorizar experiências analógicas como brincar ao ar livre e manipular objetos;
- Evitar usar telas como prêmio ou calmante;
- Proteger o sono, telas à noite reduzem a produção de melatonina;
- Resgatar o tempo ocioso como fonte de criatividade;
- Educar para a tecnologia, não para o consumo, mediação adulta é indispensável.
Para Mariana Ruske, o debate vai além do tempo de tela: trata-se do futuro de uma geração inteira. “A infância é um período crítico. O que não se constrói nesses anos dificilmente se reconstrói depois. Quando a tecnologia ocupa o lugar do brincar, do silêncio e da interação humana, estamos formando cérebros menos criativos, menos críticos e menos capazes de lidar com a vida real”, alerta.
Segundo a pedagoga, não se trata de demonizar a inteligência artificial, mas de recolocá-la em seu devido lugar: uma ferramenta a ser usada com consciência, e não uma babá digital ou um substituto da inteligência humana. “Se quisermos uma geração capaz de pensar por si, de criar, de sentir e de inovar, precisamos devolver às crianças o que é delas por direito: experiências reais, vínculos humanos e a liberdade de construir sua própria identidade sem depender de algoritmos.”