Governo avalia a criação de um sistema brasileiro de GPS, desafio tecnológico e estratégico que pode garantir maior independência ao país
Grupo técnico inicia estudos sobre sistema brasileiro de GPS
O governo federal instituiu um grupo de estudo para avaliar a criação de um sistema de navegação por satélite próprio. O Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro lançou a Resolução nº 33, que estabelece um prazo de 180 dias para entrega de um relatório ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional. O grupo reúne representantes de ministérios, da Aeronáutica, da Agência Espacial Brasileira (AEB), de institutos federais e da indústria aeroespacial. Segundo Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da AEB, o grupo ainda está se organizando e pretende mapear gargalos, dificuldades, vantagens e desvantagens de desenvolver o sistema.
A ideia é diagnosticar as consequências da dependência atual de sistemas estrangeiros, como o GPS americano. Discute-se a necessidade de um sistema global ou regional, capaz de cobrir todo o território nacional. O nível de investimento necessário deverá ser muito superior ao orçamento atual do programa espacial brasileiro.
O projeto envolve capacidade tecnológica para projetar, fabricar e lançar satélites capazes de transmitir sinais precisos do espaço para a Terra, o que torna o empreendimento de altíssima complexidade e custo.
Contexto internacional e sistemas alternativos de navegação
A criação do grupo técnico ocorreu pouco antes de debates acalorados nas redes sociais sobre a possibilidade, remota e improvável, de os Estados Unidos restringirem o sinal do GPS em meio a tensões comerciais. Rodrigo Leonardi destacou que não houve qualquer comunicação oficial dos EUA indicando essa intenção, e que esse ruído nas mídias sociais gerou ansiedade desnecessária. Além do GPS, existem outros sistemas globais de navegação por satélite, como o Glonass russo, o Galileo da União Europeia e o BeiDou da China, que oferecem cobertura global e podem ser utilizados no Brasil. Também há sistemas regionais, como o NavIC indiano e o QZSS japonês.
Interromper ou degradar o sinal do GPS afetaria diversos setores, desde aplicativos de transporte até a aviação civil, podendo causar sérias consequências econômicas e de segurança. A maioria dos aparelhos eletrônicos modernos, incluindo smartphones, é multiconstelação, ou seja, capaz de captar sinais de diferentes sistemas simultaneamente, o que reduziria o impacto da eventual perda do GPS americano.
Desafios nacionais e benefícios do desenvolvimento tecnológico
O professor Geovany Araújo Borges, da Universidade de Brasília (UnB), coordena o Laboratório de Automação e Robótica (Lara) e comentou: “Se fizessem isso sem aviso prévio, os norte-americanos assumiriam o risco de contrariar seus próprios interesses em território brasileiro.” Ele acrescentou que “a maioria dos aparelhos celulares, por exemplo, já é multiconstelação, ou seja, é capaz de receber, automaticamente, o sinal de diferentes sistemas. De forma que, em termos de localização, nossos celulares seguiriam funcionando normalmente se deixássemos de receber o sinal do GPS.”
Para Borges, “independentemente das intenções norte-americanas ou de haver alternativas ao GPS, hoje o Brasil depende de outras nações neste que é um campo estratégico.” Ele ainda destacou que “não só porque um país independente tem que ter um setor de defesa aeroespacial forte, como porque o desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais beneficia outros segmentos, como, por exemplo, a medicina, a indústria e a agropecuária.”
O professor ressaltou que o Brasil tem recursos humanos capacitados para o projeto, mas enfrenta o problema financeiro: “Nosso problema não é RH [recursos humanos]. É dinheiro. Temos pessoal capacitado. A questão é se temos condições de bancar um projeto desta envergadura. Principalmente porque, qualquer coisa neste sentido que comecemos hoje, demorará a vingar.” Para ele, “alguns países não aceitarão exportar certos componentes essenciais. Então, teremos que, paralelamente, desenvolver nossa indústria de microeletrônica, investir mais em educação básica e assegurar que este projeto seja uma política de Estado.” Borges conclui: “Neste sentido, ainda que tardia, é positiva a criação de um grupo de especialistas para debater o tema.”